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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

FSSPX: A nova hermenêutica de Mons. Fellay

Dom Juan Carlos Ortiz: “Que Deus tenha piedade de Fraternidade!”

A nova hermenêutica de Mons. Fellay

A Fraternidade mudou sua posição?

De Dom Juan Carlos Ortiz

 


Dom Juan Carlos Oriz é um sacerdote da Fraternidade há 28 anos.
Este artigo foi publicado no site francês Avec l’Immaculée.


Apesar de certos discursos recentes que querem ser reconfortantes, a Fraternidade São Pio X continua a atravessar a mais grave crise interna que já conheceu, tanto por sua profundidade quanto por sua extensão.


Esta crise é particularmente grave porque deriva de graves falhas, em especial por parte de Dom Fellay e de seus dois assistentes, no âmbito doutrinal e no da prudência. Esta é a principal causa da confusão entre os membros da Fraternidade.

Alguns têm procurado crer que, uma vez que até agora não houve nenhum acordo prático com Roma, o perigo tenha passado... Mas não devemos tirar conclusões apressadas!

Apesar das aparências, os Superiores da Fraternidade ainda não se retrataram sobre seu novo entendimento acerca do papel a ser desempenhado pela Tradição na Igreja e, em particular, acerca de suas relações com a Igreja conciliar. Além disso, eles estão longe de ter assumido a sua pessoal responsabilidade nesta crise interna por causa de seus comportamentos imprudentes.

Vale a pena refletirmos um pouco sobre dois aspectos muito importantes desta crise interna, para não subestimar os efeitos nefastos que tal crise continua a produzir na Fraternidade e nas fileiras da Tradição.

O primeiro aspecto, mais geral, diz respeito ao papel crucial que a Fraternidade desempenha na resistência à Igreja conciliar e na salvaguarda da Tradição Católica. Se cair a Fraternidade, cai o último bastião da Tradição.

O segundo aspecto, mais específico, refere-se à grave mudança operada por Menzingen a propósito do papel da Fraternidade diante desta crise da Igreja: uma mudança que se opõe nitidamente àquilo que lhe havia determinado Mons. Lefebvre.

No entanto, essa mudança é muito sutil e, talvez, difícil de perceber para alguns, uma vez que, embora afirmando que não querem abandonar o combate doutrinal, esses Superiores fizeram do reconhecimento canônico a prioridade número um da Fraternidade.

Certamente, alguns aspectos doutrinários continuam ainda em sua agenda, mas foram relegados a um segundo plano, de modo que é preciso “rever” tudo em função desta nova prioridade.

Esta mudança revela neles o “legalismo” que afeta todas as comunidades tradicionais que se reintegraram a Roma desde 1988. Como essas, os Superiores acabaram por se sentirem “culpados” de estarem excluídos da Igreja oficial, com a qual sonham estarem “reconciliados” a qualquer custo.

Conhecemos a “hermenêutica da continuidade” de Bento XVI, com a qual ele concebeu uma nova interpretação pela gostaria de integrar a Igreja conciliar na Tradição da Igreja.

As autoridades de Menzingen, para justificarem sua mudança de posição, também conceberam uma nova “hermenêutica” ou “reinterpretação” do papel principal da Fraternidade, com a qual elas querem integrar a Tradição na Igreja conciliar.

Esta hermenêutica requer que se faça uma “releitura” deformada daquilo que Mons. Lefebvre entendia como prioritário para a Fraternidade, citando, por exemplo, o que Mons. Lefebvre dizia antes de sua ruptura com Roma em 1988, ou suas palavras mais conciliadoras em relação à autoridade oficiais da Igreja.

Assim, o que antes era firmemente rejeitado na Igreja conciliar hoje deve ser “repensado” sob a ótica da aceitação das ideias conciliares, se não de uma forma total, pelo menos “parcial” ou “sob certas condições”.

Note-se que as autoridades da Fraternidade revelam esta nova atitude, mais por aquilo que, por omissão, não dizem sobre as autoridades conciliares do que pelo que elas dizem.

À exceção de algumas frases aqui e ali mais firmes (para tranquilizar os mais 'duros' entre nós), se constata, desde há muito tempo, uma atitude “positiva” em relação aos discursos e comportamentos das autoridades conciliares e, em particular, de Bento XVI.

Uma prova recente desse “amolecimento” é, sem dúvida, o boicote de Menzingen aos livros considerados muito “duros”, escritos por Mons. Tissier de Mallerais e pelo Pe. Calderón[1] sobre a Igreja conciliar. Outro exemplo é o Simpósio do Angelus[2], no Distrito dos Estados Unidos, que este ano escolheu o tema “O Papado”, enquanto se está comemorando o 50º aniversário da desastrosa abertura do Concílio Vaticano II!


Bento XVI recebe, respectivamente, “Kiko” Argüello,
Carmen Hernández e Pe. Mario Pezzi,
em 13 de novembro de 2010



Alguns poderiam perguntar: por que e com que direito denunciar esta nova orientação da Fraternidade?

Eu conheço bem a Fraternidade e a sua finalidade, sendo um membro há 28 anos. Eu amo profundamente a Fraternidade, na qual eu me empenhei por toda a vida. Conheci pessoalmente o seu Fundador, que me ordenou e de quem continuei a estudar os escritos e discursos[3]. E é por amor à Fraternidade e por piedade filial para com Mons. Lefebvre que creio ser meu dever falar publicamente.

Exsurge evidente que, desde alguns anos, tem havido uma mudança fundamental, especialmente em Dom Fellay e em seus dois assistentes, acerca do escopo principal da Fraternidade São Pio X nestes tempos de crise da Igreja: preservar integralmente a Tradição Católica, combatendo os inimigos da Igreja, tanto externos, quanto internos.

A finalidade fundamental da Fraternidade São Pio X dentro da crise da Igreja não pode ser modificada por que foi traçada nitidamente pelo seu Fundador em muitos de seus escritos, sermões e conferências e de suas atitudes, especialmente a partir de 1988. Consequentemente, mudar esta finalidade em relação a pontos importantes significa afastar-se fortemente do seu Fundador, e, assim, expor a Fraternidade ao suicídio[4], por fazê-la cair nas mãos da Roma modernista que a Fraternidade combate desde a sua fundação.

A experiência nos mostra que todos aqueles que se afastaram desta linha traçada por Mons. Lefebvre acabaram traindo o combate pela Tradição.

Esta mudança na Fraternidade não tem nenhuma justificativa, uma vez que, nos últimos anos, não vimos, na Igreja Conciliar, qualquer importante mudança doutrinal ou prática, no sentido de um retorno real à Tradição, com a condenação dos erros ou das reformas conciliares.

Eu gostaria de fundamentar o que digo mostrando como as declarações e condutas de Mons. Fellay e de seus assistentes são totalmente contrárias àquilo que claramente afirmou Mons. Lefebvre. E, mesmo que Mons. Lefebvre não tivesse falado explicitamente, suas mudanças se opõem seriamente ao bem comum da Fraternidade e ao simples bom senso.


1. UMA ERRÔNEA NOÇÃO DE VISIBILIDADE DA IGREJA

Em primeiro lugar, está muito claro que o ponto de partida da mudança deles se baseia em uma errônea noção da visibilidade da Igreja.

Em suas declarações públicas, eles descrevem a Fraternidade como ‘carente’ de algo fundamental em relação a essa ‘visibilidade’ da Igreja. Eles costumam dizer que a Fraternidade se encontraria em uma situação ‘irregular’, ‘anormal’, ‘ilegal’, enquanto isso tudo é apenas aparente.

Dom Pfluger[5] afirmou claramente esse erro em uma recente entrevista: “De nossa parte, nós também sofremos de um defeito, ou seja, a nossa irregularidade canônica. Não é apenas o estado da Igreja pós-conciliar que é imperfeito, o nosso também é[6].

E mais adiante: “A obrigação de trabalhar ativamente para superar a crise não pode ser contestada. Este trabalho começa por nós, com o desejo de ultrapassar o nosso estado canônico anormal” (Entrevista a “Kirchliche Umschau”, de 13/10/12).

As autoridades oficiais da Igreja estigmatizaram durante anos a Fraternidade por causa desse “defeito”, lançando acusações mendazes e impondo condenações injustas, enquanto é sabido, e o temos demonstrado claramente com nossos escritos e nossas ações, que a Fraternidade nunca abandonou o perímetro visível da Igreja Católica, como jamais cometeu qualquer crime canônico. Como resultado, nós não precisamos superar qualquer ‘impedimento’ eclesiástico ou canônico, pedindo hoje para sermos reconhecidos pela Igreja conciliar.

Sobre este ponto, eles repetem as mesmas afirmações errôneas de Dom Gérard e daqueles que se reintegraram em 1988, aos quais Mons. Lefebvre (Conferência de 9 de setembro de 1988, em Fideliter n. 66[7]) e Dom Schmidberger[8] (Fideliter n. 65) responderam de maneira pertinente, pouco tempo depois das sagrações dos Bispos.

Por sua vez, Dom Fellay afirmou recentemente este mesmo erro sobre a natureza da verdadeira Igreja: “O fato de ir a Roma não significa que estamos de acordo com eles. Mas é a Igreja. E é a verdadeira Igreja. Rejeitando o que está errado, não é necessário rejeitar tudo. Esta continua a Igreja, Uma, Santa, Católica, Apostólica[9] (Flavigny, 2 de setembro de 2012).

Esta surpreendente declaração contradiz abertamente aquilo que dizia Mons. Lefebvre sobre a Igreja conciliar, na conferência supramencionada: “... somos nós que possuímos os sinais da Igreja visível. Se ainda existe uma visibilidade da Igreja hoje em dia, é graças a vós. Estes sinais, não se encontram mais nos outros[10].

E a Dom Gérard, que, para justificar seu acordo com a Roma modernista, invocava a necessidade de reunir-se com a ‘Igreja visível’, Mons. Lefebvre respondia explicitamente: “Essa história de Igreja visível de Dom Gérard é uma infantilidade. É incrível que se possa falar de Igreja visível para designar a Igreja conciliar em oposição à Igreja Católica, que nós tentamos representar e continuar” (Fideliter n º 70[11], julho-agosto, 1989, p. 6).


Mons. Lefebvre



2. OBTER A NOSSA “LEGITIMIDADE” POR PARTE DA IGREJA CONCILIAR

E, como resultado deste primeiro erro, eles afirmam que à Fraternidade não basta mais reconhecer apenas a validade da autoridade do Papa e dos bispos atuais, nem de rezar publicamente por eles, nem de reconhecer como legítimos certos atos (quando estão de acordo com a Tradição); é preciso “ir mais longe” e pedir à Igreja conciliar que nos dê aquela “legitimidade” que nos faltaria!

Também aqui eles se afastam abertamente de Mons. Lefebvre, o qual afirmava que, enquanto perdurar a crise da Igreja, nós não precisamos do reconhecimento da Igreja conciliar, porque a autêntica legitimidade será confirmada, logicamente, no dia em que as autoridades Igreja retornarão à sã doutrina.

Mons. Lefebvre afirmava que nós não precisamos da Igreja conciliar para nos dar qualquer “legitimidade”: “De que Igreja falamos; eu quereria saber se trato com a Igreja Católica, ou se trato com outra Igreja, uma Contra-Igreja, uma contrafação da Igreja?... Ora, creio sinceramente que tratamos com uma contrafação da Igreja e não com a Igreja Católica” (18 de junho de 1978)[12].


3. NECESSIDADE DE UM ACORDO PURAMENTE PRÁTICO

Partindo de seu duplo erro, eles propugnam, então, pela necessidade absoluta de um acordo prático com as autoridades atuais, sem qualquer prévio acordo doutrinário, contrariando, assim, quanto havia sido explicitamente afirmado por Mons. Lefebvre, sobretudo após 1988, e decido pelo próprio Capítulo Geral em 2006; Capítulo Geral, que, lembremo-nos, tem mais autoridade do que eles.

A sua busca atual por um acordo puramente prático é por demais  surpreendente, tendo em vista que sabemos que os recentes colóquios doutrinários entre a nossa comissão teológica e o Vaticano chegaram à conclusão de que um acordo doutrinal com a Igreja Conciliar é impossível!

Então, por parte da Fraternidade, procurar um acordo prático com a Roma atual, que continua no erro, equivale a uma “operação suicida”[13], porque nos encontraríamos “integrados” na Igreja conciliar, cuja inteira estrutura não só tem origem no Concílio, como é feita para implementar as reformas conciliares e pós-conciliares.

Sabemos bem o que ocorreu com as oito comunidades tradicionais que regressaram nesta Igreja conciliar sem um prévio acordo doutrinário, para não termos ciência de que acontecerá inexoravelmente a mesma coisa conosco...

Mons. Lefebvre, especialmente após a sagração dos Bispos, colocava claramente como condição prévia para qualquer diálogo futuro com a Igreja conciliar a de resolver primeiro a questão doutrinal: “Eu porei a questão no plano doutrinal: ‘Os senhores estão de acordo com as grandes encíclicas de todos os Papas que vos precederam? (...) Os senhores estão em plena comunhão com estes Papas e suas afirmações? Os senhores aceitam ainda o juramento antimodernista? Os senhores são pelo reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo? Se os senhores não aceitam a doutrina de seus predecessores, é inútil falar. Enquanto os senhores não aceitarem reformar o Concílio considerando a doutrina destes Papas que vos precederam, não há diálogo possível. É inútil. As posições serão sempre mais claras’.” (Fideliter n. 66, novembro-dezembro 1988, pp. 12-13).


4. A MIRAGEM DE “FAZER UM BEM MAIOR”

Então, a fim de encontrar uma justificativa “positiva” para negociar com a Roma Conciliar, eles afirmam que este acordo puramente prático permitiria fazer um bem maior, porque, estando na “Igreja visível”, poderiam converter a Igreja conciliar à Tradição... É exatamente o mesmo argumento usado por Dom Gérard e pelos padres de Campos para justificar sua reintegração à Roma conciliar![14].

A esta perspectiva presunçosamente “otimista”, o nosso Fundador respondia com grande realismo, dizendo: “O que significa colocar-se dentro da Igreja? E, antes de tudo, de que Igreja estamos falando? Se da Igreja conciliar, isso significaria que nós, que lutamos por 20 anos porque queremos a Igreja católica, regressaríamos a esta Igreja conciliar para torná-la, por assim dizer, católica? Isto é uma ilusão total! Não são os súditos que fazem os Superiores, mas os Superiores que fazem os súditos” (Fideliter n. 70, julho-agosto de 1989).

E os fatos nos provam que o pouco bem que puderam fazer aqueles que voltaram depois de 1988 não justifica o mal maior ainda que fizeram abandonando a sua crítica aos erros do Concílio e da Missa Nova e justificando o comportamento dos papas pós-conciliares etc.


Capítulo 2012



5. CONDIÇÕES PRÉVIAS SUFICIENTES?

E, novamente, para justificar este acordo, eles afirmam que, para não cair nas mesmas armadilhas nas quais caíram as comunidade que regressaram, seriam suficientes algumas condições prévias, como aquelas fixadas pelo último Capítulo Geral, de julho de 2012.

Agora, além do fato de que estas condições são irrealistas e insuficientes para nos proteger de uma “assimilação” e de uma “neutralização” por parte da Igreja conciliar, o Capítulo Geral esqueceu as duas condições mais importantes, claramente exigidas por Mons. Lefebvre: (a) a conversão das autoridades oficiais da Igreja, e, portanto a condenação explícita, de sua parte, dos erros do Concílio, e (b) sermos isentos do novo Código de Direito Canônico.

Mons. Lefebvre afirmou que, mesmo que a Roma modernista nos tivesse concedido certas condições, isto não teria sido suficiente para assinar um acordo com eles. Eis o que ele disse ao Cardeal Ratzinger: “Eminência, mesmo se Vós nos concedeis um Bispo, mesmo se nos concedeis certa autonomia em relação aos Bispos, mesmo se nos outorgasse toda a liturgia vigente até 1962 e nos permitisse continuar a obra dos seminários da Fraternidade tal como o fazemos atualmente, nós não poderíamos colaborar conVosco; é impossível, impossível, porque nós trabalhamos em duas direções diametralmente opostas: Vós trabalhais em prol da descristianização da sociedade, da pessoa humana e da Igreja, enquanto nossos esforços estão dirigidos para a cristianização. Não podemos, portanto, nos entender” (Retiro de Ecône, 4 de setembro de 1987[15]).

E Mons. Lefebvre colocava a conversão de Roma como condição essencial para um acordo, mesmo quando escreveu as seguintes palavras aos quatro futuros Bispos: “Confiro-vos esta graça confiando que logo a Sé de Pedro será ocupada por um sucessor de Pedro perfeitamente católico, em cujas mãos vós podereis devolver a graça de vosso episcopado para que ele a confirme” (29 de Agosto de 1987[16]).

Quanto ao Código de Direito Canônico, que Mons. Lefebvre dizia ser “pior do que a reunião de Assis”, como conservaríamos nossa identidade na continuação da nossa luta estando sob o regime da lei comum da Igreja conciliar que é este novo Código?

Eles não percebem que o novo Código foi concebido especificamente para aplicar as reformas conciliares, e não para preservar a Tradição?


Concílio Vaticano II



6. O VATICANO II É SUPERÁVEL!

Para superar o problema doutrinário constituído pelo Vaticano II e pelo “magistério” pós-conciliar, tem se percebido nas conferências, sermões e entrevistas dos Superiores um preciso desenho difundido e repetido, voltado a minimizar os erros conciliares, a fim de preparar as pessoas para a reconciliação com Roma conciliar.

Não ouvimos, estupefatos, Mons. Fellay afirmando, em uma entrevista à Catholic News Service[17], que: “O Concílio apresenta uma liberdade religiosa muito, muito limitada”? E não ouvimos também dele que a conclusão dos colóquios doutrinais com Roma permitia dizer que “vemos que muitas das coisas que temos condenados como derivadas do Concílio, na realidade não vêm dele, mas de uma compreensão comum do Concílio[18]? Ou ainda: “O Concílio deve ser colocado na grande Tradição da Igreja, devem ser compreendido dentro dela e em relação a ela. Estas são afirmações com as quais nós somos totalmente de concordo, totalmente, absolutamente[19] (11 de Maio 2012).

E o único texto conhecido (incompleto) do último preâmbulo doutrinal que apresentaram a Roma em abril, mencionado por Dom Pfluger em uma conferência, revela o mesmo desejo de não apenas minimizar os erros conciliares, como de até mesmo aceitá-los: “... a inteira Tradição da Fé católica deve ser o critério e a guia para a compreensão dos ensinamentos do Concílio Vaticano II, que, por sua vez, esclarece certos aspectos da vida e da doutrina da Igreja, nela implicitamente presentes e ainda não formulados” (Conferência em St. Joseph des Carmes, 5 de junho de 2012[20]).

O fato de eles terem deixado passar a reunião inter-religiosa de Assis III sem condená-la vigorosamente não é também um sinal revelador?

Eles chegaram a pedir a alguns membros da Fraternidade para não condená-la.

E o que é mais inquietante é que esta minimização dos erros do Concílio parece vir de muito longe... porque Mons. Fellay, já em 2001 (!), afirmava em uma entrevista: “Aceitar o Concílio não é um problema para nós”[21], “Dito assim parece que nós rejeitamos em sua totalidade o Vaticano II, enquanto, ao contrário, conservamos 95% dele[22] (Entrevista ao jornal suíço ‘La Liberté’, 11 de Maio de 2001 - e aqui também).

Ao invés de dar ouvido às repetidas advertências que pediam para não assinar um acordo prático, eles responderam desdenhosamente à carta dos três Bispos com palavras muito duras... insinuando que eles eram ‘sedevacantistas’ e ‘cismáticos’ e que transformavam os erros do Vaticano II em ‘super-heresias’[23].

Citar outras declarações de Menzingen que jogam a favor de um enfraquecimento de suas posições doutrinais seria demasiado longo. E este enfraquecimento da doutrina se constata também em outros membros da Fraternidade favoráveis aos acordos. Pude constatar como certos confrades, que o sabia firmes em sua convicção de condenação do Concílio e dos papas pós-conciliares, tenham hoje posições “açucaradas” e sejam muito a favor de uma reintegração à Roma modernista.


7. GRAVES ERROS CONTRA A PRUDÊNCIA

Além dos erros quanto aos princípios, se podem constatar graves erros de julgamento, que foram também a causa de uma divisão interna, a mais grave que a Fraternidade já conheceu, em profundidade e extensão.

Com comportamentos imprudentes, eles preferiram sacrificar a unidade e o bem comum da Fraternidade contanto que seguissem a agenda da Roma modernista, como afirmaram em sua resposta à carta dos três Bispos da Fraternidade: “Para o bem comum Fraternidade, nós preferimos de longe a solução atual de status quo intermediário, mas claramente Roma não o tolera mais[24] (14 de Abril 2012).

Mons. Fellay também disse que era quase ‘inevitável’ que uma parte da Fraternidade não o seguiria no caso de um acordo com a Roma: “Não posso descartar que talvez venhamos a ter uma divisão [na Fraternidade]” (Entrevista ao “Catholic News Service”[25]), assumindo, assim, o risco de dividir gravemente a Fraternidade.

Eles, portanto, preferiram agir sem levar em conta as advertências dos outros três Bispos, de alguns Superiores e membros da Fraternidade, bem como das comunidades tradicionais amigas, que lhes pediam para não assinar um acordo puramente prático.

Este comportamento chocou profundamente muitos membros da Fraternidade e criou uma divisão interna que minou seriamente a credibilidade do governo, enquanto a confiança das comunidades amigas é cada vez mais reduzida.


8. QUEM ENGANOU QUEM?

Quando, a partir de alguns meses atrás, se ouvem suas explicações (meras desculpas?) sobre supostas “verdadeiras razões” que os teriam levado às concessões a Roma modernista, percebe-se que não foram tanto as autoridades romanas que os enganaram, mas eles mesmos! Pois, se imprudentemente decidiram descartar as respostas que vinham dos canais oficiais do Vaticano, relativas ao verdadeiro pensamento do Papa, para privilegiar outros canais chamados “oficiais”: isso não melhora a reputação deles de Superiores cautelosos.

Eles se recusaram a ver que tudo aquilo que esses canais “oficiais” lhes diziam não passava de fofoca ou manipulação, pois o desejo deles de chegar a um acordo se tornara de tal forma obsessivo que acabaram por crer em tudo!

De quem é a culpa? Deles mesmos!

Em um domínio tão grave como puderam agir com tanta leviandade?

Em qualquer instituição, mesmo secular, tal comportamento leva inevitavelmente à renúncia dos responsáveis, uma vez que a confiança foi severamente prejudicada. “Que assumam as suas próprias responsabilidades”, ameaçava Dom Pfluger, se os acordos fracassassem.

De fato, se eles não renunciaram é porque continuam a acreditar nos acordos. Eles não aprenderam nada com seu comportamento!

É evidente que, apesar de alguns obstáculos, eles e o Vaticano farão de tudo para “ressuscitar” os colóquios. A expulsão de Mons. Williamson parece, assim, claramente como um “sinal revelador” para retomar as negociações, pois essa expulsão, pelo menos para o Vaticano, era uma condição sine qua non para um acordo.

Além disso, em Dom Fellay encontramos uma séria ausência de julgamento prático sobre as falsas ideias do Papa. Como pôde imaginar que Bento XVI estaria pronto a reconhecer-nos “colocando de lado a nossa aceitação do Concílio”, como escreveu em Junho de 2012?

Não sabia que o Concílio é “não negociável” para a Roma modernista?

Foi ingenuidade ou simplesmente confundiu seus desejos com a realidade?

Em qualquer caso, ele falta gravemente de prudência em questões doutrinárias.


9. AS INJUSTAS PERSEGUIÇÕES

Finalmente, como cúmulo de ceguidade e obstinação no caminho da “reconciliação” com a Roma modernista, eles empreenderam algumas injustas perseguições, a fim de suprimir qualquer oposição aos acordos, tanto dentro quanto fora da Fraternidade. Viu-se toda uma série de intimidações, de advertências, de transferências, de adiamento de ordenações, de expulsões de padres e até mesmo de um de nossos Bispos!

Eles perseguem e rejeitam implacavelmente as pessoas que se opõem à reconciliação com a Roma modernista, e, ao mesmo tempo, afirmam cinicamente que pretendem continuar a fazer oposição... dentro da Igreja oficial, uma vez que sejam reconhecidos!

Definitivamente, eles estabeleceram na Fraternidade um governo autoritário, isto é, uma verdadeira ditadura, a fim de remover todos os obstáculos que se oponham a seus planos para se reintegrar à Roma modernista.

Desta forma, se pode ver como Dom Fellay e seus assistentes tenham mudado radicalmente os princípios e os objetivos fundamentais da Fraternidade, estabelecidos pelo nosso Fundador nesta crise da Igreja.

Passaram por cima das importantes decisões do Capítulo Geral de 2006, que proibia um acordo prático com a Igreja oficial sem um prévio acordo doutrinário.

Eles ignoraram conscientemente os avisos das pessoas prudentes que os aconselhavam de não firmar nenhum acordo prático com a Roma modernista.

Atentaram contra a unidade e o bem comum da Fraternidade, expondo-a ao perigo de um compromisso com os inimigos da Igreja.

Finalmente, contradizem a si mesmos quando afirmam o contrário do que disseram apenas alguns anos atrás[26]!

Eles, portanto, traíram o legado de Mons. Lefebvre, as responsabilidades legadas a seu encargo, a confiança de milhares[27] de pessoas, até mesmo daquelas que, enganadas por eles, continuam ainda a confiar neles.

Eles manifestaram a firme determinação de levar a Fraternidade, a qualquer custo, à reintegração com seus inimigos.

Pouco importa que hoje os acordos com a Igreja conciliar ainda não foram concluídos, ou que não o serão de imediato, ou nunca... Na Fraternidade persiste um grave perigo, porque eles não voltaram atrás dos falsos princípios que têm norteado suas condutas devastadoras.

Eu constato hoje, com dor, que eles, querendo de alguma forma identificar abusivamente seus julgamentos e suas decisões com a própria Fraternidade, acabaram por confiscá-la, como se fosse sua propriedade pessoal, esquecendo que eles, ao contrário, são apenas os servidores, nomeados por prazo determinado.

Esta constatação é ainda mais dolorosa e inquietante quando se considera que da fidelidade da Fraternidade à sua missão depende a salvação de tantas almas e até mesmo a restauração de toda a Igreja.

Que Deus tenha piedade da Fraternidade!


Fonte: Non Possumus – Itália
Tradução e notas: Giulia d’Amore di Ugento
Grifos nossos.
_

[2] Refere-se à conferência do Angelus Press, de 19 a 21 de Outubro, em Kansas City (EUA).
[3] Hábito saudável que parece ter sido negligenciado pela maioria dos religiosos e fieis da FSSPX. Como já tive oportunidade de dizer antes, isso me remete à atitude dos Salesianos, particularmente de minha cidade, que até possuem os escritos do Fundador na magnifica Biblioteca da UCDB, mas a ala é de acesso restrito, e especialmente proibida para religiosos e seminaristas. Se a FSSPX não proíbe a leitura e o estudo dos escritos de Mons. Lefebvre, também não a estimula, e, ainda por cima, manipula e instrumentaliza trechos, descontextualizando-os propositalmente.
[4] Dom Lefebvre, Homilia de 30 de junho de 1988 em Ecône: “Se eu continuasse a tratar com Roma, prosseguindo os acordos que havíamos assinado e colocando em prática esses acordos, eu estaria fazendo a operação suicídio” (Fideliter n°64, p. 6).
[5] Pe. Niklaus Pfluger, FSSPX.
[6] Remete-me inevitavelmente ao ‘mea culpa’ de estilo politicamente correto adotado pelas autoridades conciliares quando começaram a pedir perdão pelos ‘erros’ da Igreja em relação às condutas da Santa Igreja contra o Erro no passado: Santa Inquisição, “perseguição” aos heréticos etc., esperando por uma reciprocidade que nunca veio. Os Superiores já falam como eles. Logo serão como eles. Se já não o são.
[7] Cf. ‘A Visibilidade da Igreja e a Situação Atual’: onde são apresentados alguns extratos de uma conferência de Dom Marcel Lefebvre publicada na revista Fideliter n. 66 de novembro/dezembro de 1988, p. 27-31. Monsenhor respondia a alguns argumentos teológicos de Dom Gérard, desenvolvidos em sua declaração publicada no jornal ‘Présent’, do dia 18 de agosto de 1988, demonstrando sua fraqueza. Ele responde com antecedência aos argumentos que tentam justificar a posição de Campos e, claramente, à atual posição da Neo-FSSPX – Online ou PDF.
[8] Pe. Franz Schmidberger, FSSPX.
[9] “The fact of going to Rome does not mean we agree with them. But it is the Church. And THIS IS THE TRUECHURCH. In rejecting what is not good, one should not reject everything. THIS IS THE ONE, HOLY, CATHOLIC, APOSTOLIC”.
[10] Cf. ‘A Visibilidade da Igreja e a Situação Atual’.
[11] Cf. “One year after the Consecrations An Interview with Archbishop Lefebvre”, Fideliter n. 70, de julho-agosto de 1989. Em Inglês.
[12] Cf. “Contrafação da Igreja“, conferência aos seminaristas em Ecône, em 8 de Junho de 1978 (dez anos antes das excomunhões).
[13] Cf. Fideliter n. 64, p. 6: “Dom Lefebvre, Homilia de 30 de junho de 1988 em Ecône”: “Se eu continuasse a tratar com Roma, prosseguindo os acordos que havíamos assinado e colocando em prática esses acordos, eu estaria fazendo a operação suicídio”.
[17] Cf. aqui (em Inglês) ou trechos aqui.
[18] Cf. aqui (em Inglês) ou trechos aqui.
[19] Cf. aqui (em Inglês) ou trechos aqui. Não ecoa a ideologia da “Hermenêutica da Continuidade” de Bento XVI?
[21] Cf. em “Intervista rilasciata da Mons. Bernard Fellay, Superiore Generale della Fraternità San Pio X, al quotidiano svizzero “La Liberté”, pubblicata l’11 maggio 2001“. Em italiano. A pergunta era: “Alguns dentro da Igreja colocam como condição o prévio reconhecimentos de todos os Concílios”. A resposta de Mons. Fellay: “Aceitar o Concílio não é um problema para nós. Quanto muito há um critério de discernimento. E este critério é aquilo que sempre foi ensinado e crido: a Tradição. Disso a necessidade de esclarecimentos”.
[22] Cf. em “Intervista rilasciata da Mons. Bernard Fellay, Superiore Generale della Fraternità San Pio X, al quotidiano svizzero “La Liberté”, pubblicata l’11 maggio 2001“. Em italiano. A questão: “uma rediscussão [das reformas pós-conciliares] que vós continuais a sustentar”. Resposta de Mons. Fellay: “Dito assim parece que nós rejeitamos em sua totalidade o Vaticano II, enquanto, ao contrário, conservamos 95% dele. Quando muito, nos opomos a certo espírito, a uma conduta em relação à mudança que é sustentada como um postulado: tudo muda no mundo, portanto a Igreja deve mudar. Trata-se de um elemento a se discutir, pois é inegável que a Igreja, neste último meio século, perdeu uma influência considerável. Ela ainda tem alguma influência, mas enquanto instituição, porque a influência real, a dos Bispos, por exemplo, é demasiado débil. A Igreja percebe isso, mas se comporta como se a coisa não tivesse mais qualquer solução. A sua palavra não é mais clara. Basta ver a reação suscitada com a publicação da Dominus Iesus”.
[25] Cf. aqui (em Inglês) ou trechos aqui.
[27] Já somos milhões, reverendo.

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